Pegar
no momento e guardá-lo não necessariamente para sempre, mas, pelo menos, até
cansar. Até não ser mais do que uma ténue sensação daquilo que foi, do que
aconteceu, do que extrapolou através dos poros de uma pele coberta por roupas
de inverno.
Não o
moldar, não o pintar, não o proteger com vidro ou plástico. Guardá-lo,
simplesmente. Pousá-lo em cima da lareira, no parapeito da janela exposta à
rua, na mesinha de cabeceira vagamente iluminada, e contemplá-lo todos os dias
até que a saudade dê lugar à habituação, a um encolher de ombros indiferente de
dias mais felizes, de outros momentos igualmente marcantes que substituam
aquele já gasto, em tempos tão inebriante.
Olhá-lo,
memorizá-lo, reconhecer-lhe cada pequeno traço, cada som. Saber de cor a música
que tocava, reproduzir sem apoio todas as tonalidades exteriores e interiores,
sentir-lhe a amargura e a doçura. Agarrá-lo até doer e deixá-lo, por fim,
escapar. Vê-lo, ao longe, a perder-se nas cinzas do passado e ser capaz de não
correr atrás dele, de não o chorar, de não lhe sentir a perda dolorosa.
Deixar
os dias passar, saborear-lhes o vagar, atrasar-lhes a pressa, porque o que veio
e o que chegou em breve será mais um chão pisado na estrada imensa de uma vida.
Conseguir,
por entre lágrimas, sorrir. Rir, se possível. Cantar baixo, alto, gritar o que
sair. Estender uma mão para trás, outra para a frente, mas deixar os pés presos
no agora que sustenta cada segundo
batido para lá do vidro do relógio de pêndulo e os olhos saltitantes para nada
perderem das horas irrequietas.
Preservar
o sorriso de criança inocente - feliz com a simplicidade -, maturado pela
aprendizagem da dureza e das conquistas. Um sorriso de dentes tratados,
preservado no mundo, crescido ao seu próprio ritmo. Mantê-lo com o orgulho
nunca ferido, porque o único sorriso no meio de lágrimas não está numa posição
de submissão nem de vergonha, mas assume o papel do poderoso, capaz de
vislumbrar para lá da névoa e de se manter irredutível quando o mais fácil é
esconder-se, adotar a outra face e juntar-se à multidão. Um sorriso de contágio
que mal só faz a quem o desdiz, a quem o vê sem conseguir reconstituí-lo.
E
distribuí-lo gratuitamente.