segunda-feira, 25 de abril de 2016

Castigo

Apontas o dedo, direito ao meu peito, à minha silhueta, e eu castigo-me.
Colocas-me na fila de trás, escondida dos olhos do público, em honra da vergonha. E eu castigo-me.
Despedes-te de mim, num adeus sem esforço, numa fácil distância incontornável, e eu castigo-me.
Olhas para mim e vês uma versão infantil, um riso demasiado fácil, um conjunto cómico. Uma filha que não tiveste de adotar, que te adotou como pai. E eu castigo-me.
Abraças-me a perfeição que enumeras, durante um tempo que já sei ser tão criteriosamente cronometrado, sempre à espera do alarme no final da contagem decrescente. E eu castigo-me, esforçando-me sempre em vão para adiar o som que te atira para longe de mim, para perto de outro alguém.
Deixas-me à espera das tuas palavras e da tua companhia e eu castigo-me de cada vez que sei de antemão que não chegam.
O vício, que vem e que vai, que é tão (aparentemente) facilmente controlável, dá-se sempre conta muito antes de mim dos erros que cometi, das faltas que tenho, dos passos dados ao lado. É ele que mostra, antes ainda do dedo erguido, dos olhares de vergonha, das despedidas, da condescendência, da efemeridade, das trocas, dos maus julgamentos e das esperas sem fim, que o caminho que parecia o correto é, na verdade, o caminho mais sinuoso.
Vejo nele o reflexo de mim que tu vês e que o espelho esconde. Giro sobre mim mesma vezes sem fim, num rodopio estonteante que me traz todas as versões de ti para diante dos meus olhos. Fecho-os sem cessar, tentando afastar-te pelo menos por agora, com sorte para sempre. Encosto-me, então, à parede fresca, passo as mãos pela cara, abro os olhos novamente e vejo no espelho um outro reflexo: uma mistura daquele que eu vejo com aqueles que tu vês.
Procuro o reflexo real, a imagem verdadeira, a que era eu antes de ti, de ti e de ti, mas não a encontro. Sei que nunca irei, mais, encontrá-la, porque naquele dia em que sucumbi pela primeira vez ao vício, tracei um destino irregular, de saltos que acho sempre serem mais forte do que as quedas mas que, na verdade, só as tornam mais dolorosas.
Revejo nos teus olhos aquilo que sou, aquilo que trago para mim e o que ofereço aos outros. Estendo a mão, peço-te ajuda, mas cospes-me e mandas-me resolver o que está errado dentro de mim.
Dou meia volta, obediente, e encontro conforto no meu refúgio. Isolada do mundo. Finalmente isolada de ti. Mas sempre controlada por ti.