quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Mente-me

Se pudesse, escolhia a mentira. Sempre, enquanto aquela continuasse a ser a verdade que a atormentava, que lhe rasgava cada músculo, cada tendão, cada pedacinho de pele.
Cada pergunta que lhe dirigia fazia-se acompanhar de um olhar brilhante de esperança por uma nova verdade utópica. Aquela que não vinha. Não hoje. Talvez amanhã.
E quando a realidade lhe chegava brutalmente em forma de resposta, arrependia-se de não ter verbalizado o pedido:
- Por favor mente-me.
Mas ele não mentia. Na verdade, recordava-lhe, dia após dia, mesmo sem as perguntas súplices dela, uma realidade oposta àquela em que, desesperada por alguma paz de espírito, fazia por acreditar.
Passava um dia, passavam dois, passavam três e, a custo, a realidade opcional entranhava-se, materializava-se dentro e diante dela e tornava-se real. Até ao momento em que, por alguma razão, voltava a ouvi-lo pronunciar um qualquer nome alternativo ao daquela outra mulher cuja imagem esbatida era o suficiente para lhe provocar náuseas.
- Por favor mente-me - suplicava ela, todas as noites, com a cabeça pousada na almofada e os braços cruzados sobre si mesma, sabendo que ele não a ouviria. Mas esperando que, de alguma forma, ele lhe adivinhasse o pedido. E lho concedesse.

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