terça-feira, 17 de novembro de 2015

A normalidade

Cheguei a Paris pela primeira vez na noite de 27 de setembro de 2007. Estúpida e ignorantemente, não estava nos meus planos visitá-la, especialmente porque, apesar de adorar a língua francesa – tanto que a escolhi para a minha área de estudos –, permitira-me criar e alimentar uma ideia baseada em clichés preconceituosos, que mais tarde se provou errada, de que todos os franceses são arrogantes e egocêntricos.
Mal saí do avião fui acometida por uma enorme sensação de pânico que acompanhou a pergunta histérica: que é que eu vim para cá fazer sozinha durante um ano?
Quis vir embora por duas ou três vezes, mas Paris revelou-se, ao longo dos meses, uma cidade de encantos indescritíveis. Passei a sentir-me quase tão em casa como no Porto, fui conhecendo os cantos menos turísticos, segui rotinas, pisei os mesmos passeios várias vezes sem conta e, sem eu sequer ter planeado, Paris marcou o início de uma das melhores fases da minha vida, que trouxe comigo de volta para o Porto, que ficará para sempre gravada em mim. Ainda hoje, quase dez anos depois, consigo pensar se não fosse Paris não estava aqui hoje, com esta pessoa, a fazer isto.
Aquela cidade, onde mesmo os lugares feios e sujos são parte de um carisma inigualável, habitada por gente agradável, bem arranjada, prestável, que acolhe, agora, uma diversidade imensa de culturas, nacionalidades e religiões, conquistou as minhas barreiras das ideias pré-concebidas de tal forma que pensar nela ou apenas no seu nome, ou rever imagens minhas ou de outros com Paris como pano de fundo, me traz uma estranha sensação de nostalgia de uma era perdida, que não voltará nunca, onde tudo era perfeito e eu tinha o mundo todo diante de mim, com todo o tempo disponível para o conquistar.


Na sexta-feira estava a jantar com uns amigos que agora o são, embora não diretamente, apenas graças à minha estadia em Paris quando, mesmo sem os óculos, vi na televisão as imagens horripilantes dos atentados. Penso que não há um nome para descrever aquilo que senti: uma espécie de apatia, como se me recusasse a aceitar que era real, envolvendo o nojo típico de quando algum estranho invade aquilo que é nosso, lhe remexe e altera a ordem das coisas lá dentro. O estômago doía pelas pessoas que viam aqueles cenários em primeira mão.
Um pouco mais tarde, sentada no sofá no conforto de uma casa, com a televisão ligada, saltei de canal em canal, onde desfilavam imagens, reportagens, noções, comentários e testemunhos dos acontecimentos daquela noite.
Tive vontade de chorar pelos mortos, pelos feridos, por Paris, pelo mundo, mas não consegui fazê-lo.
No dia seguinte, as imagens, os vídeos e as notícias continuavam focadas apenas nos ataques a Paris, na subversão dos direitos humanos em prol de um fundamentalismo. Em nome de nada e da aniquilação do todo que é o ser humano.
Dizem os parisienses, os franceses e todos nós que temos o misto de sorte e de infelicidade de assistir impotentes à evolução do terrorismo, que não deixaremos o medo vencer-nos.
Mas será mesmo assim, quando já nem uma lâmpada que rebenta é apenas tida como tal? Como se entra numa sala de espetáculos sem pensar no que aconteceu e no que pode acontecer-nos a nós? Como se chega a sexta-feira e se vai beber um copo sem olhar por cima do ombro? Como se volta à normalidade?
Sim, porque esta não pode ser a nova normalidade…

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