Entrou no
carro dele com a cabeça protegida da chuva que começara a cair naquele momento,
sincronizada com o seu horário de saída. Deu-lhe um beijo fugidio, preocupada
em recompor o cabelo levantado pelo vento antes que ele a observasse com
atenção.
Tinham
combinado ir comer qualquer coisa rápida e dar uma volta por determinadas lojas
que ele lhe enunciara detalhadamente, explicando o que pretendia comprar. Mas
ela, absorta no movimento hipnotizante da boca dele, ignorara as palavras que
dela saíam, prestando, apenas, atenção à musicalidade da sua voz.
Fechou a pala
com o espelho onde verificara o estado do seu aspeto e olhou-o inquiridoramente,
esperando que arrancasse com o carro.
Ele
respondeu-lhe:
- Estou à
espera de que me dês um beijo em condições.
Em vez de
virar para a direita no cruzamento, ele seguiu com o carro em frente, em
direção à praia.
- Não ias
comprar… qualquer coisa que nunca cheguei a saber o que era?
Ele
riu-se:
- Tens de
começar a prestar atenção às coisas que eu te digo.
- Tu
distrais-me – confessou ela, com um sorriso.
Ele riu-se
novamente e estacionou o carro.
A chuva
caía desesperadamente sobre o tejadilho, escorrendo pelos vidros fechados,
fundindo-se, lá ao longe, com o mar revolto que desfilava sem qualquer ordem
diante dos seus olhos.
Ele
abraçou-a, puxando-a para si e pousando-lhe um beijo no pescoço. Ela, de olhos
fechados, inalou-lhe o perfume e aconchegou-se naquele abraço terno.
Deixou-se
ficar assim, mesmo quando a perna torta começou a ficar dormente, sentindo
apenas o calor do corpo dele aquecer o dela, ouvindo-lhe as batidas do coração
e a respiração tranquila.
Sorriu
ante essa constatação: ele, com os braços envolvendo-a a ela, no meio daquele
temporal na pausa de um dia de trabalho, estava tranquilo.
Gostava
dele de uma forma que não conseguia pôr em palavras. Há palavras para o descrever,
sim: gosto de ti, adoro-te, amo-te, com diversos advérbios de quantidade e de intensidade disponíveis
para o acentuar, mas não chegavam. Não. Em todo o dicionário não havia termos
que conseguissem traduzir verbalmente aquela necessidade dele, aquela vontade
de ser parte integrante da sua vida, de originar vida com ele, de estar ao seu
lado nos momentos relevantes e em todos os outros. Não havia, sobretudo, algo
que expressasse a plenitude que experienciava quando estavam juntos, encapando
um receio constante de que esse tempo partilhado fosse efémero.
Ele
revestia-lhe a vida da serenidade que passara tanto tempo a procurar, ainda
que, quando o cérebro se ligasse, sentisse a tal onda de medo de que um dia podia
não voltar a vê-lo.
Desfazendo
o abraço, viu-lhe aquele sorriso.
Qualquer um deles era bonito, formado por aqueles lábios desenhados ao mais
ínfimo pormenor, detalhadamente pensados, para que nada fosse deixado ao acaso.
Mas era aquele que a enchia de um amor imenso, que punha o seu coração a dar pulos
de alegria dentro do peito.
Ligeiramente
corado, ele contraía os lábios, fechando-os, para que o sorriso não se
rasgasse, quase como se guardasse um segredo. As bochechas tremiam-lhe e os
olhos, com um brilho tão intenso, diziam quase tudo aquilo que a sua boca não
conseguia pronunciar.
Antes de
poder perguntar-lhe “o que foi?”, ele disse:
- És
bonita e eu gosto de ti.
Ela soltou
dois risinhos e aninhou-se-lhe no peito, movendo-se para cima e para baixo ao
ritmo da sua respiração.
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