quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Procurei-te

Procurei-te, sabes? Talvez não no verdadeiro sentido da palavra, de meter pés ao caminho e calcar terreno, levantar pedras, dobrar esquinas até te encontrar, mas procurei-te.
Assim que soube, naquela fatídica e fatal sexta feira, o que estava a acontecer, o meu primeiro pensamento foi, admito, para mim, para a vida que construí em Paris e para as memórias que lá guardei, espalhadas pelas pontes, pelos museus, pelo XIVe arrondissement e pela rede de metro, de RER e de Tram.
O segundo... foi para ti.
Procurei-te em mim, mesmo sabendo que desde o dia em que precisei de retirar-te de mim não iria conseguir encontrar-te. Quando tens um melhor amigo, praticamente irmão, sabes descobri-lo e pressenti-lo bem ou mal sem teres de trocar uma palavra que seja com ele nesse momento, mas, (in)felizmente, essa ligação desaparece quando recuas, quando te proteges e te refugias em ti, longe do outro. O canal de comunicação quebra e dificilmente volta a funcionar.
Tarde na noite - talvez se pudesse chamar já madrugada -, a televisão fazia-me chegar imagens de gente devastada pelo que tinha visto, de corpos inertes no chão tapados por lençóis brancos. Penso que foi nessa altura que senti uma vontade crescente de chorar por mim, por eles... e por ti, que lá estarias, algures. Podias ser uma das que ficaria para sempre marcada pelo testemunho direto, podias ser uma das que perderam alguém, podias ser uma das que não poderiam mais contar a sua história.
Por todo o lado procurei uma ligação a ti. Questionava se cada vítima seria tua amiga, colega ou familiar. Tentei sentir-te em cada local filmado pelos diversos canais presentes.
Digo que não senti, mas se calhar foi essa ausência de pressentimento que me permitiu dormir até à manhã seguinte relativamente tranquila, até ter sabido, finalmente, que tinhas sido uma das sortudas a quem os acontecimentos chegaram através de um ecrã. 
Obrigada.
Pouco depois li o que tinhas a dizer sobre o assunto e percebi que aquela que era a minha cidade, aquela que te trouxe, também a ti, para a minha vida, é agora a tua cidade, a tua casa, onde é suposto continuares a ser feliz. E temi que não voltasses a encará-la dessa forma.
Hoje, no entanto, dei como falhada a minha missão de te excluir de mim quando constatei que ainda te conheço. Procurei-te e não foi fácil encontrar-te, mas apazigua-me a ideia de que aquela que já foi a minha casa (e que, de certa forma, ainda o é um pouco, quando aquela onde vivo no mundo real não me é suficiente) é, agora, a tua. E aí posso voltar a encontrar-te.


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