Mónica tinha a vida planeada ao detalhe numa
perspetiva de médio e de longo prazo. Se lhe perguntassem – na verdade não era
necessário, já que os seus planos eram do conhecimento geral do público – em
que ponto estaria a sua vida dali a um ano e meio, mesmo ainda sem um anel no
dedo, sabia que estaria a casar. Faria uma lua-de-mel de um mês pela América
Central de mochila às costas e quando voltasse abriria um centro de estudos na
cave de casa dos pais. Um ano e meio depois teria o primeiro filho. Dois anos
mais tarde o segundo e, se tudo corresse bem, teria o terceiro passados outros
dois anos. Não havia muito por onde falhar, pelo que vivia tranquilamente cada
dia, com a certeza reconfortante de que as carruagens deslizavam sem sobressaltos
pelos carris traçados, abraçando as rotinas tranquilas de uma vida calma e
preenchida pelo trabalho, pelos amigos e pelo seu grande amor.
Tal como combinado, um ano e meio mais tarde disse o sim em frente a todas as pessoas
importantes para si, envergando o vestido que idealizara quando tinha dez anos.
Por razões que não são relevantes para o efeito, a lua-de-mel tivera de ser
adiada para o ano seguinte, mas não tinha mal: seria a celebração ideal do
primeiro ano de casamento.
Todavia, alguém que detalha com este pormenor a
planificação da sua vida, deveria ter detetado o cheiro do descarrilamento
iminente que chegou numa bela tarde de março, ainda durante aquele ano zero de
casamento, quando o seu recém-marido lhe comunicou que tinha uma amante. Bem,
tinha tido, porque acabara por perceber que era Mónica a mulher da sua vida.
- Tarde demais – atirara-lhe ela, fingindo todo o
amor-próprio que não sentia naquele momento.
A lua-de-mel ficou definitivamente em stand-by e do futuro centro de estudos
fez a sua casa. Sem ter tempo sequer para refletir, tinha o seu mundo a girar
ininterruptamente sobre as suas costas, pesando todos os dias mais um pouco, ao
ponto de lhe provocar dores insuportáveis. De repente já não havia carris, nem
sequer um trilho ou um troço de caminho que pudesse seguir e a única rotina que
passou a ter era a de todas as manhãs ir para o trabalho.
Para além disso, sentia-se perdida. Todos os dias
desejava intensamente arranjar um trabalho fora daquele colégio opressivo e
procurava forças – que tardavam a chegar – para ir viver sozinha. Estava
perdida, fora de si, longe de si, sem qualquer elemento familiar da sua vida
anterior, agora que não podia contar com os amigos que, já sendo originalmente
do ex-marido, lhe tinham sido lealmente roubados.
Sentia-se sozinha, presa numa teia sufocante sem
ninguém, incapaz de vislumbrar num ponto ao longe, por muito longínquo que
fosse esse lugar, uma saída triunfante.
Sabia que passaria o resto da vida assim,
impossibilitada de voltar a construir uma família. Teve essa certeza quando, na
altura prevista, não teve o primeiro filho. Já só poderia tentar o segundo e o
terceiro, mas com quem?
Delineou, então, um plano B: se dali a cinco anos
continuasse a ser a sua única família, teria um filho por inseminação artificial.
Nascera para ser mãe. Tinha a certeza de que o propósito da sua existência, a
sua maior vocação, era amar e criar seres humanos desde o primeiro momento da
sua vinda ao mundo para se tornarem pessoas felizes, capazes de grandes feitos
e de trazer algo de bom à humanidade.
As lágrimas que vertia eram de desespero e angústia
ante a possibilidade de o potencial de maternidade poder estar-lhe
definitivamente vedado por uma má escolha no passado e, se fosse extremamente
sincera consigo mesma, nem esse plano B a reconfortava: não só ainda faltava
demasiado tempo, como queria poder partilhar a vida e todas as suas componentes
com um homem que amasse e que a amasse. Tal como, um dia, tivera a possibilidade
de descobrir.
Era por isso que não fazia qualquer esforço no
sentido de repor uma rotina no seu dia-a-dia, para incompreensão da mãe e
repúdio do pai: a rotina aprisioná-la-ia dentro de si mesma, no seu pequeno
mundo vazio de gente, de caras novas, de embriões de algo seu.
Chegava ao final de cada dia esgotada, incapaz de
segurar os olhos abertos e frustrada por se terem passado mais vinte e quatro
horas de um esforço vão.
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